Flavio Cruz

A Fábula do Rato

 
O Grande Reino dos Animais sempre teve reis importantes e imponentes. O primeiro e mais majestoso foi o Leão. Grande monarca. Mais recentemente outros vieram: o Leopardo, o Lince, um Gato, e até uma Anta. Por razões não bem explicadas, pássaros como o Condor, a Águia e a Coruja, nunca se interessaram pelo poder. Talvez porque de qualquer forma já estivessem por cima, ou talvez porque fossem sábios ou ainda porque para eles fosse mais importante voar. Não se sabe. O tempo foi passando e chegou a vez do Rato. Assim foi que ele tomou posse e começou a governar. Supostamente outro animal deveria substituí-lo quando morresse. Desafiando a lógica, sua majestade, o Rato, ficou no poder por muitos anos e que equivaleriam a cinco de suas vidas e nada de ele sair. Isto obviamente não fazia sentido, mesmo porque, quem supostamente tinha sete vidas, era o Gato.  E todos sabiam que a sua majestade, o Gato, na sua época, foi devidamente substituído após sua primeira vida. Havia algo de errado no Reino. Muitos animais nem percebiam o que estava acontecendo. Outros porém, mais espertos ou inteligentes, começaram a desconfiar.  A desconfiança virou certeza: obviamente um rato substituía o outro, defunto, sem que ninguém notasse. Tudo era feito secretamente nas dependências – talvez no porão – do castelo, que, por sinal, agora estava mais suntuoso do que nunca. Ao contrário do senso comum, os roedores tinham um bom gosto enorme e viviam como gente fina. A safadeza era fácil de se notar pois os ratos eram muito semelhantes entre si e ninguém percebia a diferença, a não ser os assessores mais imediatos. Mas com eles não havia problema, pois a manobra também lhes servia, pois se perpetuavam nos seus cargos também. Era, poderíamos dizer, uma safadeza real. Real de rei, embora fosse real “de verdade” também, se é que você me entende. A coruja, o cachorro e o papagaio, além de outros, por serem mais espertos que a maioria e mais sábios também, sabiam de tudo, mas no princípio se calaram. Claro, temiam pela própria vida.  Afinal para quem faz uma ratada dessas, livrar-se de alguns súditos mais ousados seria café pequeno. Chega uma hora, porém, que ninguém aguenta. Resolveram então não mais ratificar a ratada feita pelos ditos cujos e, ao contrário, retificar a rota do Reino. Começaram então a espalhar a verdadeira história da falsa longevidade do grande roedor. Foram rápidos e astutos e conseguiram difundir a revolução. A revolta foi geral. Folhetos, panfletos e manifestações se espalharam por toda a parte. Depois de algum tempo, a rebelião era total.
O Rato Primeiro, que primeiro não era não, mas sim o quinto, logo tentou dissipar a revolução. Ele que não era burro – sem querer ofender o coitado do animal, que, por sinal, nunca chegou a ser rei – mas, obviamente era ratão, sabia que violência não adiantaria. Os elefantes, por exemplo, estavam cientes da situação. E, como se sabe, eles não esquecem não. Além disso, já pensou levar um pisão de um deles? A realeza seria esmagada com certeza. Declarou então a sua majestade que queria, ele também, a verdade. Por isso instituiu uma comissão para apurar os fatos: “Comissão Democrática do Reino Animal”. Essa era composta democraticamente, como o nome sugeria. Ratazanas havia, claro, mas outros bichos também lá estavam.
Chegou o dia do grande julgamento. Lá estavam os membros da comissão, a família real, o público em geral, especialistas em direito animal, especialistas em direito selvagem, além de outros interessados. O Rato Primeiro, que além de ser rei, era réu, nesse caso funcionava também como o Grande Juiz. Era esquisito mas pelo menos estava havendo algum julgamento e talvez, quem sabe, a justiça fosse feita. Não era o tribunal mais justo do mundo, mas como se diz “Quem não tem cão, caça com gato”, que no nosso caso, seria “caça com rato”.
Todos falaram, reclamaram, apresentaram provas, documentos, testemunhas. Não havia nada de positivo que se pudesse falar do Grande Rato. A fraude era óbvia. Ficou muito claro que ele era um charlatão além de ratão, como o próprio nome indicava.  Foram horas e horas de denúncias contra as ratadas do rei. No final, a comissão pediu a deposição do tirano. O monarca então se levantou para dar a sentença que deveria ser cumprida por ele mesmo. Os pobres animais ainda não tinham, como os humanos, experiência nesse tipo de assunto. Estavam cheios de esperança. Achavam que a majestade do rei não lhe permitiria fazer um mau julgamento que o protegesse, diante de tantas evidências apresentadas. Ele, entretanto, olhou com grande arrogância e cinismo para todos e anunciou:
-Decido. Petição negada, requerimento indeferido. Tenho dito. Fica também decidido que a partir desta data o rei passa a se chamar o ”Grande Rei das Bestas”.
Fazia sentido. Assim terminou a grande parada democrática do agora chamado “Reino das Bestas”, antes cognominado o Grande Reino Animal. Afinal de contas, rei é rei, mesmo sendo um rato ratão.
E assim, ao contrário do conto de fadas, todos viveram infelizes e reprimidos para sempre.

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Published on e-Stories.org on 07/20/2015.

 
 

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