Flavio Cruz

Um quarto, um mundo, uma euforia sem fim

Jásper acordou num quarto todo pintado de branco. Estava deitado no chão e depois de percorrer o ambiente com os olhos, notou algo muito estranho.  Estava claro, embora não houvesse fonte de luz. Não havia janelas ou lâmpadas. Tentou racionalizar, entender como aquilo acontecera. Tinha deitado cedo em seu quarto normal, onde havia a sua cama, uma cômoda e uma cadeira de balanço. Notou que estava nu, embora tivesse ido para a cama de pijamas. O ambiente ali era completamente vazio, uma claridade que quase incomodava. Colocou a palma da mão na parede e ela era lisa, sem saliências. Por onde estaria entrando ar? Ele conseguia respirar bem, sem dificuldade nenhuma. Depois bateu com os nós dos dedos na superfície. A parede parecia sólida. Sabia que não podia ficar desesperado, pois em nada ajudaria. Sentou-se no chão por uns momentos. Depois levantou-se e foi andando pelo ambiente, acompanhando as paredes e tocando a superfície das mesmas para ver se descobria alguma coisa. Na terceira, de repente, percebeu que ela parecia ceder um pouco. Empurrou com mais força e, então, uma porta que não se podia ver antes, abriu-se.

Era um outro quarto, também completamente branco. Havia, porém, uma cadeira bem no centro. Sobre seu assento, notou que havia algumas roupas e um par de sapatos. Obviamente eram para ele, embora nunca as tivesse visto antes. Vestiu-se rapidamente. As vestimentas eram todas brancas. Somente os calçados eram pretos. Depois de ficar sentado por alguns minutos, pensando, chegou a uma óbvia conclusão. Teria de fazer a mesma coisa. Descobrir uma porta invisível e continuar. Continuar até achar uma saída para algum lugar conhecido, talvez para a rua. Tinha dúvidas se estava em sua casa. Certamente não. Como o teriam levado para aquele lugar? Por quê? Para quê?

Foi cuidadosamente forçando as paredes, com a esperança de encontrar uma saída. De repente percebeu que havia pisado em uma superfície diferente. Abaixou-se e apalpou o assoalho. Abriu-se um alçapão de onde podia se ver uma escada caracol. Ficou um pouco temeroso em descer, mas não havia outra alternativa. Como nos dois aposentos anteriores, era tudo absolutamente branco. Assim que chegou ao último degrau, teve uma surpresa. Havia uma outra escada, exatamente igual, no outro canto do aposento. Levaria de volta ao mesmo lugar? Ficou apreensivo. Seria o fim? Ficar ali, subindo e descendo? Subiu, ansioso. Como esperava, ao pressionar o teto, uma abertura em forma de círculo se abriu. Para seu alívio, não era o mesmo quarto. Desta vez era tudo amarelo e, novamente, havia um conjunto de roupas. Estava claro que deveria trocá-las. Elas eram azuis e não havia sapatos.

A situação estava evoluindo, algo estava mudando. Assim que fez a troca de roupas, percebeu que havia um objeto no bolso. Para sua surpresa, era uma lanterna. Assim que a ligou, a sala ficou escura, mas um foco de luz permitiu que ele visse uma porta. Era diferente. Toda trabalhada, tinha duas folhas, porém não tinha maçaneta. Aproximou-se, e ela, automaticamente se abriu. Aquele aposento era completamente diferente. Havia uma enorme quantidade de esferas, de diferentes cores e tamanhos, pairando no ar. De repente, elas começaram a se juntar, formando uma espécie de portal com um arco em cima. Jásper aproximou-se e viu que era um corredor. Encheu-se de esperança. Começou a andar, mas daí percebeu que era impossível ver seu fim. Apertou o passo e depois começou a correr. Depois de algum tempo percebeu que não adiantava. Ele era sempre igual, certamente não havia um fim e esse talvez fosse seu próprio fim. No fundo, porém, tinha esperanças. Andou e andou. Agora mal conseguia ver qualquer coisa à sua frente, tal era seu cansaço. Ainda assim continuou mais um tanto. Finalmente, seu corpo cedeu à fadiga. Caiu e lá ficou. Primeiro respirava rápida e sofregamente. Aos poucos, sua respiração foi se estabilizando.

Não sabe quantas horas dormiu. Assim que acordou, percebeu que não estava mais no longo corredor. Dava para perceber, embora nebulosa, uma luz vinda de uma enorme porta. Tentou se levantar, quando alguém lhe tocou nos ombros. Era um padre. Jásper estava na Catedral da Sé, em São Paulo.

Foi difícil explicar para as autoridades o que estava fazendo lá. Sua casa estava a mais de 500 quilômetros de distância, no interior do estado. Telefonaram para sua esposa e ela ficou aliviada. Ele tinha sumido no meio da madrugada. Suas roupas e seus sapatos estavam ao lado da cama. Já tinha contatado a polícia local, que lhe dissera que não havia o que fazer por enquanto.

Jásper não ousou contar tudo que vira. Certamente pensariam que estava desequilibrado. Melhor assim. Não havia o que fazer, não havia explicação nem para ele nem para a polícia. Despediram-no, depois que a esposa disse para ele esperar lá fora, que um amigo iria buscá-lo e levá-lo para a rodoviária. Enquanto saía, percebeu que dois policias riam disfarçadamente. Devia ser por causa de sua roupa estranha, pois o que vira, não tinha contado para ninguém. Não ligou para a zombaria, ele riria também.

Em casa, a esposa, delicada, evitou falar sobre o assunto. No fundo, sabia que nem ele estava entendendo o que tinha acontecido. Ela não entendia, não havia lógica. E isso sem se considerar o fato de que ele não havia lhe contado sobre os quartos. Nem poderia, jamais. Jásper sabia que falar sobre isso não ajudaria em nada. A única consequência seria as pessoas pensarem que ele estava louco. E talvez estivesse.

Procurou não pensar mais sobre o ocorrido. O tempo foi passando e, embora fossem ficando mais suaves, aquelas imagens não sumiram de tudo. Ele já sabia que elas jamais sairiam de sua cabeça, mas, com o tempo, quem sabe, ele mesmo talvez começasse a desconfiar de sua autenticidade.

Uma noite, porém, aconteceu de novo. Estava dormindo e, de repente, apareceu naquele quarto branco, nu, assustado. Lembrou-se do que tinha acontecido da primeira vez e começou a tocar as paredes. Nada aconteceu, todas elas pareciam muito sólidas. Parou por um instante. Queria pensar.

Foi então que sentiu uma intensa vibração interior. Sentiu a própria vida explodindo dentro de si. Ele soube, a partir daquele momento, que tudo mudaria. Tinha sentado, mas agora se levantava, resoluto e, antes mesmo de tocar a branca parede, ela se abriu. Ele não sentia medo ou preocupação. Passou por tudo novamente. Pela segunda sala, pela escada que descia e pela que subia. Estava já no corredor, e, como ele esperava, perdeu os sentidos. Acordou algum tempo depois. Estava no chão e viu, de novo, aquela luz e uma grande porta. Algo excepcional, porém, tinha acontecido. Ninguém estava lá tocando-lhe no ombro, como da primeira vez. Andou firme e empurrou uma das folhas. Lá estava todo mundo na rua andando, conversando. Não era a Praça da Sé, nem outro lugar conhecido. Era um mundo novo, inédito. As pessoas falavam uma língua estranha, uma mistura de Português com alguma outra língua desconhecida. Podia ser um idioma do passado, podia ser do futuro. Algumas pessoas olhavam, amigáveis, para ele e sorriam. Sentiu uma enorme força dentro de si. Era a própria força da vida. Eram construções incomuns, outros veículos, que ele nunca tinha visto antes. As pessoas também eram especiais, como nunca tinha visto antes. As plantas tinham uma coloração diferente, as flores tinham outra clores. E Jásper foi andando, andando...

De repente, ele percebeu que alguém o segurava pela mão. Olhou para cima e era seu pai. Mas não era o pai de antes. Era alguém que ele nunca tinha visto, mas ele sabia que era seu pai e ele era uma criança de dez anos, não era mais um adulto casado. E, aos poucos, tudo que ele sabia de sua vida de antes foi ficando distante, como se fosse um sonho. E, na medida em que ele assimilava aquele maravilhoso e inédito universo, ele ia se esquecendo do outro. Agora a sua vida de antes nem sequer um sonho parecia mais. Agora o seu passado não era mais nada, talvez uma ideia louca de criança, aquelas coisas malucas que os garotos imaginam. Jásper não se chamava mais Jásper. Seu pai, sorrindo, chamou-o de Dijete. E ele era um menino feliz, num mundo singular, novo e maravilhoso, um insólito cosmos. Dijete estava imerso numa incomparável e singular euforia...

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Published on e-Stories.org on 07/07/2015.

 
 

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